Marketplaces digitais, o efeito de rede e créditos de PIS/Cofins

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Em nome de todos da Direto do Carf, desejamos um feliz 2025, com alegrias e muitos temas para debatermos o Direito Tributário e o Direito Aduaneiro, em especial no ano que o Carf comemora 100 anos de existência! Aproveitamos o ensejo para dar as boas-vindas à professora Maria Carolina Maldonado Kraljevic, que vem reforçar nosso time!

1. Introdução

Em homenagem ao novo ciclo, na coluna inaugural gostaríamos de substituir uma visão retrospectiva – voltada à jurisprudência formada e passada – por uma análise do porvir, dos problemas que poderão chegar, nesse ano ou nos próximos, para a consideração do Carf.

Faltando-nos predicados e a capacidade de veros futuristas, escolhemos uma realidade recente, mas que se tornou típica do nosso tempo, e que tem gerado diversas discussões tributárias: o regime tributário das plataformas de comércio eletrônico.

Naturalmente, dentro da limitação de espaço desse artigo, analisaremos alguns aspectos específicos desse modelo específico, confrontando-o com precedentes recentes do Carf, para compreender quais gastos são qualificáveis como insumos, para fins de creditamento de PIS/Cofins.

2. Os marketplaces digitais e o ‘efeito de rede’

As plataformas eletrônicas podem ser classificadas em cinco diferentes modelos de negócios, quais sejam: 1) marketplaces online; 2) ecossistemas móveis e lojas de aplicativos; 3) mecanismos de buscas na internet; 4) mídia social e plataformas de conteúdo; e 5) plataformas de publicidade online [1].

Aqui, focaremos no primeiro, baseado na construção de ambientes digitais que conectam compradores e vendedores para a realização de transações comerciais, por meio da internet. A proprietária da plataforma presta, normalmente, não apenas o serviço de intermediação, mas também outros relacionados.

Eles conseguem, desse modo, reduzir os custos de transação por meio da reunião de vendedores em um único lugar, oferecer recomendações funcionais aos compradores, definir regras básicas de conduta, prover meios de pagamento etc. Como afirmado em um estudo da União Europeia, eles operam com diversas características de um mercado local ou um shopping center, mas em escala muito superior e com uma gama maior de serviços prestados tanto ao vendedor quanto ao comprador [2].

Essa variedade de funcionalidades adicionais para todos os participantes pode incluir mecanismos de leilão, experiência do usuário aprimorada, sugestões de compras, rating dos vendedores, disponibilização de métodos de pagamento e de crédito, atuação logística, publicidade direcionada etc. Esse conjunto de utilidades agregadas pela plataforma da intermediação é o motor de desenvolvimento do chamado “efeito de rede” (network effect), o coração do modelo econômico de plataformas eletrônicas.

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O efeito de rede gera resultados distintos, a depender do modelo de negócios praticado, mas é da essência das plataformas eletrônicas atuais. Na definição de Katz e Shapiro [3], ele ocorre quando a utilidade de um bem ou serviço para um consumidor depende do número de outros consumidores – na mesma rede – do mesmo bem (efeito direto) ou de bens complementares associados (efeito indireto).

Pode-se dizer que o desenvolvimento ativo desse efeito de rede é o motor das plataformas, porque a subsistência delas depende diretamente da sua capacidade de ampliação e manutenção da base de usuários. E a história recente é cheia de exemplos disso.

O aplicativo WhatsApp se torna mais útil à medida que a quantidade de pessoas próximas também participa dele – e quanto mais gente está na plataforma, há mais incentivos para novos usuários entrarem. Por outro lado, plataformas concorrentes (como o antigo Blackberry Messenger) acabaram desaparecendo, ao perder sua base de usuários.

Isso se dá também com a Uber, que ampliou a sua utilidade à medida em que conseguiu ampliar a quantidade de motoristas e usuários ativos na sua plataforma, acabando com diversos concorrentes que não conseguiriam gerar esse mesmo efeito de rede (e.g. Cabify).

Outro exemplo cotidiano é o mercado de pagamentos e as bandeiras de cartão. Quanto mais estabelecimentos estão credenciados para aceitar determinada bandeira de cartão (e.g. Visa ou Mastercard), maior a quantidade de clientes interessados em contratar com emissoras que emitam cartões dessa bandeira – e essa é uma via de mão dupla, quanto mais clientes vinculados a determinada bandeira, maior a quantidade de estabelecimentos querendo credenciá-la.

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No âmbito dos marketplaces os exemplos do eBay e Mercado Livre são considerados emblemáticos, a respeito do desenvolvimento dos efeitos de rede nesse modelo de negócios e a relevância da ampliação de base de usuários nas duas pontas dos negócios realizados naquele ambiente virtual (vendedores e compradores) [4]. Quanto mais vendedores na plataforma, mais compradores buscarão participar dessa rede, mas, por outro lado, quanto mais compradores participando, maior a quantidade de vendedores interessados em ingressar – em outras palavras, a quantidade de participantes da rede, independentemente da posição, é diretamente proporcional à utilidade que ela possui.

Percebe-se, analisando esse modelo, que tratá-los como uma mera operação de intermediação implica um equivocado reducionismo do modelo de negócio e sua indevida simplificação, que desconsidera toda a variedade de funcionalidades fornecidas e a própria finalidade da plataforma.

 

O que as plataformas eletrônicas vendem, na realidade, não é apenas a intermediação, mas o próprio acesso e usufruto de suas respectivas redes, franqueando o contato dos compradores com os vendedores e vice-versa. Não se trata apenas para atender a procura de um dos lados (até porque, muitas vezes, se cria a própria demanda nas plataformas), mas de desenvolver e explorar comercialmente um ambiente de negócios que vai muito além de uma simples operação de compra e venda.

A adequada compreensão do “negócio” das plataformas eletrônicas é essencial para se compreender a qualificação de seus gastos como insumos.

3. O conceito de ‘insumos’ na jurisprudência do Carf

A jurisprudência do Carf consolidou sua posição com a adoção dos critérios tornados vinculantes pelo REsp nº 1.221.170/PR, que sedimentou o entendimento de que o conceito de insumos deveria ser estabelecido à luz da sua “essencialidade ou relevância”.

Conforme o referido julgado, essencial seria o bem ou serviço “do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”. Por sua vez, é considerado relevante aquele bem ou serviço “cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (…), seja por imposição legal”.

À evidência, a adoção de critérios essencialmente relacionais permite concluir que nenhum bem ou serviço será aprioristicamente um insumo. Essa condição exsurge apenas à luz de um determinado processo produtivo de bens ou de prestação de serviços, considerando-se a função exercida.

Em razão disso, é inescapável que sejam identificadas com precisão cada uma das fontes geradoras de receita da empresa, bem como os custos a ela associados, para que se verifique a adequação ou não ao conceito de insumos vigente. Essa identificação se complexifica quando as operações analisadas também são complexas, no qual há a integração de diversos partícipes, com uma multitude de vínculos jurídicos distintos.

A delimitação do que é insumo, a despeito dos critérios mencionados acima, depende da casuística análise de cada processo produtivo e de prestação de serviços, por meio da correta identificação não apenas do modo de produção em si, como também da forma como cada gasto se relaciona com ele.

4. O que são ‘insumos’ para as plataformas eletrônicas de comércio?

A vexata quaestio aqui é determinar efetivamente se a atividade se esgota em uma mera intermediação, ou se vai além, sendo essa apenas uma parte do conjunto de utilidades disponibilizadas àqueles que passam a fazer parte da rede vinculada à plataforma eletrônica.

Por outro lado, não se pode afirmar aprioristicamente que todo marketplace será, necessariamente, uma plataforma multifuncional. É preciso analisar os termos contratuais estabelecidos com os usuários (compradores e vendedores), para verificar o rol de compromissos estabelecidos reciprocamente e qualificar a(s) atividade(s) exercidas.

Na hipótese de haver, de fato, um simples serviço de anúncio (e.g. um website simples para postagem de propostas de venda, como os famosos “classificados”), serão insumos da sua atividade apenas os gastos diretamente ligados à prestação desse serviço, tais como a hospedagem do site, custo da internet etc. Entretanto, na medida que se verifica uma ampliação do escopo funcional dos vínculos estabelecidos, deve-se verificar individualmente quais os custos associados às demais atividades prestadas pela plataforma.

Por exemplo, se a ela também prestar um serviço logístico e de transporte, com a coleta do produto no vendedor e entrega no comprador, auferindo receitas dessa atividade, os custos ligados à realização dessa atividade logística deverão ser tratados como insumos. Outro exemplo é a possibilidade de se oferecer aos vendedores a “publicidade direcionada”, impulsionando os anúncios para consumidores mais “propensos”, conforme seus gostos e interesses (apurados pela própria plataforma) – para esse serviço, seriam insumos, e.g., o custo mensal do software que faz a coleta das informações dos usuários, e para direcionamento dos anúncios para cada destinatário.

Quando se está falando de uma plataforma eletrônica baseada no “efeito de rede”, os próprios custos de manutenção, desenvolvimento e promoção dessa rede de usuários e estabelecimentos vendedores são diretamente ligados ao serviço prestado, que é, para além da simples intermediação, o próprio acesso e fruição do ecossistema multifuncional da plataforma.

Há um caso interessante a respeito disso, julgado pelo Carf no Ac. nº 3201-005.668 (Caso Visa), que envolve os gastos de expansão da rede de usuários de uma bandeira de cartão de crédito. Discutia-se o crédito da licenciadora da bandeira no país sobre os gastos com “ações gerais de marketing relacionadas à divulgação e/ou promoção dos produtos da marca”.

Sinteticamente, o Colegiado verificou que as ações de marketing realizadas tinham a finalidade não apenas de ampliar a rede de emissoras (de cartões de crédito da respectiva bandeira) e credenciadoras (de maquininhas habilitadas para captura de transações com cartões da bandeira), que tinham o contrato de licenciamento com a contribuinte, mas também atrair novos usuários finais (titulares de cartões de crédito e estabelecimentos comerciais), que acabavam contratando com os licenciados, para obter o cartão ou a maquininha.

Em seu voto, afirma a relatora que “as ações de marketing realizadas (…) sequer buscam alcançar os seus clientes (emissores e credenciadores), mas, sim, ‘os clientes dos seus clientes’, no caso, usuários finais”, e reconhece a relevância disso para o negócio como um todo. A lógica é simples: mais usuários usando cartões da bandeira incentivam mais comerciantes a aceitá-los, enquanto quanto mais comerciantes aceitando, maior a utilidade para consumidores, e o aumento dessa rede beneficia diretamente os emissores e credenciadores licenciados.

O caso é relevante por reconhecer de maneira clara que os gastos ligados à manutenção e ampliação da rede de usuários da bandeira são insumos da atividade econômica dela, que, naquele caso concreto, vai além do simples licenciamento, e compreende a disponibilização e uso de toda uma infraestrutura de rede de pagamentos para os usuários.

A situação é análoga à dos grande marketplaces digitais, baseadas essencialmente em ser uma ágora virtual, onde os usuários poderão usufruir de um ambiente controlado e com acesso a diversas funcionalidades, com a finalidade de reduzir custos transacionais, dar escala global às conexões estabelecidas e fomentar a realização de negócios [5].

Ora, se tanto os compradores quanto os vendedores procuram por ambientes onde abundem vendedores e compradores, respectivamente, e se o serviço vendido pelos marketplaces eletrônicos é, sobretudo, o acesso dos usuários à sua respectiva rede (e as conexões daí decorrentes), bem como o conjunto de funcionalidades que eles terão acesso, nos parece ser clara a conexão direta e causal entre os gastos ligados à manutenção e expansão da rede e o serviço prestado por essas plataformas digitais para seus usuários.

A qualidade do serviço prestado (acesso ao ambiente da plataforma) é diretamente relacionada à extensão da rede de usuários, tanto que, caso um marketplace comece a perder compradores e vendedores, a tendência é que as pessoas a abandonem, por entender que o serviço prestado não está a contento.

Uma vez iniciado o êxito de compradores e vendedores, o efeito de rede se opera de forma reversa e perniciosa, desidratando a plataforma (e sua funcionalidade) até a sua derradeira inanição. A história está cheia de exemplos disso, de onde saíram frases – já ditas por muitos de nós -, como “Ah! Nunca tem um motorista nesse aplicativo!”, “Ninguém usa essa rede social!” ou “Nenhum restaurante que eu gosto está nesse aplicativo!”.

Conclusão

As plataformas eletrônicas e os diversos modelos de negócios operacionalizadas por meio delas são uma realidade do nosso tempo, que devem ser compreendidas como instrumentos que redesenham o perfil do mercado, a partir de uma estrutura mais eficiente, baseada justamente no “efeito de rede” e no aprimoramento da experiência dos usuários que ele proporciona.

As categorias do Direito Tributário, inclusive a definição do conteúdo do termo “insumo” para fins do PIS e Cofins, não podem ficar alheias a essas novidades, devendo buscar compreender as novas realidades como são de fato, e não a partir de reduções simplificadoras que geram desincentivos, ineficiências e, sobretudo, retrocesso.

 


[1] EUROPEAN UNION REPORT. Commission Staff Working Document on Online Platforms – Communication on Online Platforms and the Digital Single Market. 2016, passim. Disponível em EUR-Lex – 52016SC0172 – EN – EUR-Lex, acesso em 05/01/2025.

[2] Commission Staff Working Document on Online Platforms, p. 16.

[3] KATZ, Michael L. SHAPIRO, Carl. “Network Externalities, Competition, and Compatibility.” The American Economic Review 75, no. 3 (1985): 424–25. http://www.jstor.org/stable/1814809, acesso em 04/01/2025.

[4] É ilustrativa a imagem desse fenômeno: https://d3.harvard.edu/platform-digit/submission/ebay-the-perfect-storey-of-network-effects/.

[5] A relevância de divulgação desses espaços de intermediação de negócios, para atrair novos usuários foi ressaltada no voto vencedor do ac. nº 3302-0112.005 (Caso Netflix).



Fonte

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