Por que o presidente deve vetar o artigo 441, E, do PLP 68/24?

Post Tags :


Opinião

Apesar da (ainda) surpresa de muitos, temos uma verdade [1]: no bojo das discussões do PLP 68/24 (projeto de lei complementar para regulamentar a reforma tributária sobre consumo — Emenda Constitucional nº 132/23 [2]), o Congresso enfim o aprovou [3] e enviou à sanção presidencial [4]. Assim, aguardemos a posição final do Poder Executivo nacional, que deverá ratificar nos próximos dias a grande maioria do apresentado pelo Legislativo, retirando o Brasil do filme de terror que é o sistema tributário atual. No entanto, importante que, até lá, ao menos uma mentira não seja embalada à Presidência da República como conto de fadas, que, se tornada realidade, criará duas (indesejadas) novas verdades: retirada bilionária de recursos dos combalidos cofres públicos e violação à livre concorrência.

Petrobras vendeu sua refinaria na Amazônia em 2022

Aqui queremos tratar especialmente da inusitada (e verdadeira…) alteração promovida pelo Senado no artigo 441, alínea E, do Projeto de Lei Complementar nº 68, aprovado [5] na Câmara dos Deputados, sem nenhum destaque (o que havia, exatamente sobre esse tema, foi retirado quando do início da sessão em 17/12/2024 [6]). Vejamos a redação aprovada no Senado (e validada pela Câmara):

Art. 441. Não estão contemplados pelo regime favorecido da Zona Franca de Manaus:
(…)
e) petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo, exceto para a indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus, em relação exclusivamente às saídas internas para aquela área incentivada, desde que cumprido o processo produtivo básico, permanecendo a vedação para todas as demais etapas;”

Ainda diante dessa, digamos, “questionável” verdade — lembre-se: a tal alteração —, a parte que nos interessa é “exceto para a indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus”.

Pois bem. Deixemos “verdades” e “mentiras” descansarem um pouco e passemos juntos “apenas” à análise e à reflexão.

Quem seria beneficiado?

Vamos entender, inicialmente, a quem esse benefício aparenta ser dirigido? Existe um grupo de empresas oriundo do Amazonas que já atuou em todos os elos da cadeia de combustíveis: refino, importação, distribuição, postos e, por um período [7], até consumo [8].

Esse benefício, segundo parte da imprensa, é para eles, e só [9]. Ainda há notícias de que essa refinaria… não refina há algum tempo, embora seja cobrada pelo sindicato local [10] e receba benefícios fiscais [11].

Spacca

Spacca

Prossigamos em nossa análise. Quanto custa esse benefício? Ainda segundo mídia especializada, cerca de R$ 3,5 bi por ano[12].

Vamos além.

Em que pese a supressão da parte que restringia a aplicação do benefício da ZFM para alguns produtos, quando do retorno para Câmara da proposta de emenda constitucional,  não foi surpresa quando, da leitura do relatório no Senado agora do PLP 68 de 2024, estavam lá as alterações promovidas na alínea ‘e’ do (até então) artigo 440, incluindo a parte final acima transcrita.

No dia 16 de dezembro, com o retorno do texto à Câmara, iniciado o debate naquela casa, quase às 22 horas, o presidente da Câmara pautou para a votação (que ocorreria no dia seguinte) apenas um destaque: justamente o que tinha como objetivo suprimir a alteração inseridas na alínea ‘e’ do artigo 440, claramente ampliando o benefício da ZFM.

No dia seguinte, iniciado o trabalho na Câmara, antes de iniciada a votação, o autor do destaque o retirou e assim o projeto foi para votação consoante o texto que voltou do Senado, com a redação ampliando os benefícios da ZFM.

Quem é contra o benefício

Voltemos às verdades — a “mentira”, sorrateira, vai aparecer no fim, querendo se tornar verdade (sim, é verdade, aguardem…).

Verdade: quem já se colocou contra esse benefício, consoante rápida pesquisa na mídia? O Palácio do Planalto [13], o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) [14] e a maioria esmagadora do segmento de combustíveis [15], especialmente IBP [16] e FUP.

Verdade: o que está sendo desrespeitado? A um só tempo, o atual ordenamento jurídico e posicionamento do Supremo Tribunal Federal [17] sobre o tema.

Verdade: qual posicionamento do STF está sendo desafiado? Aquele firmado na ADI 7.239/DF [18].

Verdade: quais os atos normativos que atualmente tratam dos benefícios da ZFM? Artigos 3º, 4º e 37 do Decreto-Lei nº 288/67 [19], com redação atualizada pelo artigo 8º da Lei nº 14.183/2021 [20]. E o que esses artigos dizem?

“Art. 3º . ………………………………………………………………………………
§ 1º Excetuam-se da isenção fiscal prevista no caput deste artigo armas e munições, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros, petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo, e produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo quanto a estes (posições 3303 a 3307 da Nomenclatura Comum do Mercosul), se destinados exclusivamente a consumo interno na Zona Franca de Manaus ou se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais, em conformidade com processo produtivo básico.
(…)
Art. 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será, para todos os efeitos fiscais constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro, exceto a exportação ou reexportação de petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo para a Zona Franca de Manaus.
(…)
Art. 37. As disposições deste Decreto-Lei não serão aplicadas às exportações ou reexportações, às importações e às operações realizadas dentro do território nacional, inclusive as ocorridas exclusivamente dentro da Zona Franca de Manaus, com petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo por empresa localizada na Zona Franca de Manaus.”

Verdade: considerando então o posicionamento do STF na ADI 7.239 e a redação atual do DL 288/67, qual a conclusão? A de que petróleo, combustíveis e lubrificantes não gozam de benefícios fiscais na Zona Franca de Manaus [21].

Verdade: e como a Constituição tratou do tema quando da reforma tributária? A EC nº 132/23 incluiu um artigo 92-B no ADCT [22], segundo o qual:

Art. 92-B. As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus pelos arts. 40 e 92-A e às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023, nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos a que se referem os arts. 126 a 129, todos deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

Análises e reflexões

O artigo 92-B do ADCT disciplina que as leis que instituem o IBS e a CBS (dentre elas, decerto o PLP 68/24), devem “manter” o nível de benefícios existentes para a ZFM em 31/05/2023. Como já vimos, e escorados na visão do STF, em 31 de maio de 2023 não havia benefício para petróleo, lubrificantes e combustíveis na ZFM.

Então o artigo 441, e, do PLP 68 (após aprovação no Congresso) institui… um novo benefício. E, com isso, injustificada e inconstitucionalmente altera o diferencial competitivo da ZFM.

Se o PLP 68 já foi aprovado no Congresso, o que poderia ser feito? O presidente da República pode vetar — na forma do artigo 66, §§1º e 2º, da Constituição — toda a alínea E do artigo 441 do PLP 68/24, sem nenhum prejuízo, como indicado pelo professor Ricardo Lodi em parecer recente sobre o tema[23].

Não pode o presidente vetar apenas a expressão “exceto para a indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus, em relação exclusivamente às saídas internas para aquela área incentivada, desde que cumprido o processo produtivo básico, permanecendo a vedação para todas as demais etapas“.

É possível vetar trecho do artigo

Ou seja, vetar apenas a expressão, não pode. Mas… vetar toda a alínea E, do artigo 441 do PLP 68, é jurídica e politicamente factível. Aliás, nada mais coerente com o regime democrático, já que cabe à chefia do Executivo nacional marcar sua posição de “acordo” ou “desacordo” com todo e qualquer projeto de norma que objetive ingressar no ordenamento.

Pois bem. Análise e reflexões expostas, apresentemos forma resumida algumas verdades sobre a questão (já preparados para a Mentira):

Verdade: não pode vetar a expressão contida na “alínea E”.

Verdade: pode vetar a “alínea E” inteira.

Verdade (e essa não deveria ser tão complexa): com o veto tudo segue… igual! Ou seja, preserva-se o ordenamento “inteirinho”, justamente porque a Presidência da República exerceu seu papel de impedir o ingresso de previsão que, entendeu, conflitaria com o mesmo.

Entendido. Mas… e a “esperada” Mentira?

Eis que aparece.

Mentira: se o presidente da República vetar a “alínea E”, do artigo 441 do PLP 68 — impedindo que esse produza qualquer efeito jurídico — estará “estendendo” aos produtos previstos 37 no Decreto-Lei nº 288/67 [24], com redação atualizada pelo artigo 8º da Lei nº 14.183/2021, os benefícios dados à ZFM. Ou seja, uma pretensa norma que nunca teria produzido efeitos exatamente por ter sido vetada atingiria uma devidamente incluída no ordenamento e chancelada pelo STF.

Mentira? Não. Algo assim seria uma “verdade” digna do filme de terror mencionado acima, trazendo à chefia do Poder Executivo papel jurídico e político semelhante ao de um mero figurante (nem mesmo coadjuvante…).

Justificativas para o veto

O que justificaria um veto assim pelo presidente da República? Há tanto razões jurídicas (concessão de novo benefício sem estudos orçamentários e em flagrante violação à premissa do artigo 92-B do ADCT) quanto razões políticas (estamos em déficit, há imensa preocupação com o tema, a justificar a tramitação célere do PLP 210/24 [25] — neste cenário, não faz nenhum sentido um novo benefício a um único contribuinte).

Mas e se o presidente da República resolver não vetar a alínea E do artigo 441 do PLP 68/24? Provavelmente, o tema precisará ser levado à apreciação do Supremo, via ADI, para que se declare a inconstitucionalidade da extensão do benefício fiscal em comento.

Diante disso tudo, então qual argumento foi trazido pelos congressistas para aprovar a alínea E do artigo 441? Foi indicado que essa normatização, na verdade, restringia um benefício preexistente, que era dado sem limitação.

A narrativa — no mínimo equivocada, diga-se — foi a de que, doravante, o benefício seria reduzido. Outrora amplo, passaria a ser “em relação exclusivamente às saídas internas para aquela área incentivada, desde que cumprido o processo produtivo básico”.

Conseguimos notar o quanto essa ideia parte de uma premissa equivocada? Tal qual vimos aqui, a alínea E do artigo 441 do PLP 68 não restringiu um benefício amplo preexistente… ela criou do zero um benefício que vai onerar em aproximadamente R$ 3,5 bi por ano os cofres públicos, sem nenhum estudo prévio de impacto orçamentário nem medições básicas de juridicidade ou devido debate no Congresso.

E voltemos à mentira.

Uma outra “versão” que vem surgindo é a de que, se o presidente da República vetar apenas a alínea E do artigo 441 do PLP, não haverá nenhum impedimento para benefícios a petróleo e combustíveis/lubrificantes derivados na ZFM.

Mentira: esta narrativa de que “vetar é pior do que não vetar” é igualmente equivocada (ou apenas serve ao propósito original de fazer passar um privilégio injustificado): considerando que o artigo 92-B do ADCT já aponta para a necessidade de manter o nível de benefícios em maio de 2023, e que hoje — e na referida data — já eram vedados esses benefícios na ZFM, já preexiste portanto um bloco normativo (artigo 92-B do ADCT + artigos 3º, 4º e 37 do DL 288/67) apto a inviabilizar a concessão do privilégio em comento.

Entre muitas verdades e algumas reflexões, o veto teria a eficácia de apenas desfazer o benefício odioso e não produziria nenhum efeito sobre o bloco normativo preexistente que já impede a concessão de benefícios para petróleo, lubrificantes e combustíveis derivados na ZFM. Porém, seja qual for a decisão do Poder Executivo, importante apenas que a mentira não prevaleça.

 


[1] Registro inicial: “Verdade” nesse texto será sinônimo de fato, devidamente indicado para checagem.

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm

[3] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2847017&filename=Tramitacao-PLP%2068/2024

[4] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2847018&filename=Tramitacao-PLP%2068/2024

[5] https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/12/18/congresso-define-as-regras-do-futuro-regime-de-impostos-tire-suas-duvidas-sobre-o-que-muda-com-a-reforma-tributaria.ghtml

[6] https://www.youtube.com/watch?v=A5CwtDkbQbU

[7] https://brasilenergia.com.br/energia/distribuicao/dois-anos-depois-de-privatizacao-atem-sai-da-amazonas-energia-e-da-roraima-energia

[8] https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/consorcio-oliveira-energia-atem-vence-leilao-da-amazonas-distribuidora-de-energia

[9] https://braziljournal.com/o-duty-free-dos-combustiveis-a-forca-da-atem-no-congresso/

[10] https://eixos.com.br/combustiveis-e-bioenergia/refinaria-de-manaus-e-investigada-por-nao-entregar-dados-de-producao-de-combustiveis/

[11] https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/12/17/refinaria-beneficiada-por-reforma-tributaria-esta-parada-e-teve-r-45-milhoes-em-isencoes-em-2024.ghtml

[12] https://oglobo.globo.com/google/amp/blogs/lauro-jardim/post/2024/12/nas-maos-de-lira-uma-decisao-que-pode-evitar-rombo-de-r-35-bilhoes-anuais-ao-tesouro.ghtml

[13] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2024/12/tributaria-planalto-manda-barrar-beneficio-para-refinaria-do-amazonas.shtml

[14] https://istoedinheiro.com.br/comsefaz-ampliacao-de-beneficios-a-refinaria-na-zona-franca-representa-risco-de-ate-r-35-bi/

[15] https://www.ibp.org.br/noticias/posicionamento-ibp-plp-68-2024-regulamentacao-da-reforma-tributaria-extensao-do-beneficio-da-zona-franca-de-manaus/

[16] https://eixos.com.br/politica/ibp-pede-veto-presidencial-a-beneficio-para-a-refinaria-de-manaus-e-avalia-levar-tema-ao-stf/

[17] https://eixos.com.br/politica/congresso/emenda-para-refinaria-de-manaus-desafia-acao-no-stf-e-decisao-cabera-a-camara/

[18] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=529120

[19] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm

[20] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14183.htm#art8

[21] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=529120

[22] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm#adctart92b

[23] https://www.linkedin.com/posts/ricardo-lodi-88609137_ibp-pede-veto-presidencial-a-benef%C3%ADcio-para-activity-7278528478012932099-B2UD?utm_source=share&utm_medium=member_android

[24] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm

[25] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2473389

https://www.camara.leg.br/noticias/1122585-deputados-analisam-projeto-que-preve-novo-limite-de-gastos-em-caso-de-deficit-nas-contas-acompanhe

https://www.camara.leg.br/noticias/1122666-aprovado-texto-base-de-projeto-do-ajuste-fiscal-que-preve-novo-limite-de-gastos-em-caso-de-deficit-nas-contas

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/12/17/corte-de-gastos-camara-aprova-texto-base-que-limita-beneficios-fiscais-e-despesa-com-pessoal-em-caso-de-deficit.ghtml



Fonte

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *