O sistema tributário brasileiro é amplamente reconhecido pela sua complexidade, que inclui uma grande quantidade de tributos, fragmentação entre as esferas de governo e frequentes alterações nas normas fiscais. Esse cenário acarreta desafios substanciais tanto para o cumprimento das obrigações fiscais quanto para a conformidade tributária, resultando em elevados custos operacionais para as empresas e os indivíduos.
O conceito de custo de conformidade tributária envolve não apenas o pagamento dos tributos em si, mas também os custos associados ao cumprimento de obrigações acessórias e à manutenção da regularidade fiscal.
À primeira vista, análises sobre a Carga Tributária Bruta (CTB) do Governo Central sobre percentuais do PIB são extremamente comuns e igualmente fundamentais para monitoração e acompanhamento da realidade tributária no Brasil Todavia, são postos de lado os custos operacionais tributários nesta análise.
Explica-se: os custos operacionais tributários são representados pela soma dos custos do Poder Público relacionados à tributação (custos administrativos) com os custos das obrigações principais e acessórias (custo de conformidade ou compliance of costs of taxation). Os custos administrativos envolvem: os custos de legislar (Poder Legislativo), os custos de arrecadar e controlar (Poder Executivo) e os custos de julgar (Poder Judiciário). Já no caso dos custos de conformidade, estes, se referem ao sacrifício de recursos para atender e se adequar às disposições legais.
Especificamente sobre os custos de conformidade: estes compreendem custos monetários e não monetários. O primeiro é consequência do desempenho financeiro dos negócios e refletidos no lucro das entidades, incluindo custos como: aquisição de conhecimento necessário dos aspectos relevantes do sistema tributário (eventualmente até em uma metodologia learning by doing); compilação de arquivos; aquisição e manutenção dos sistemas contábeis e fiscais; preenchimento de formulários fiscais; avaliação da eficácia tributária de transações e métodos alternativos no cumprimento de exigências legais; e a retenção e recolhimento dos impostos cobrados dos empregados e dos negócios.
A respeito dos custos de administração de tributos, destaca-se a dificuldade de obtenção de dados confiáveis para avaliar os custos administrativos do governo. Após a implementação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), foi observada uma redução dos custos de administração, mas houve um aumento nos custos de conformidade para os contribuintes, que precisaram se adaptar às novas exigências fiscais.
Para Receita Federal do Brasil, os custos de conformidade incluem gastos com a fiscalização, processos administrativos, manutenção de sistemas e pessoal. Os custos de conformidade anuais da RFB representam uma parcela significativa do PIB. Para realizar a arrecadação de tributos corresponde, em média, a 1,35% da receita arrecadada e a 0,36% do PIB. Considerando os valores arrecadados e administrados pela RFB para 2023 e corrigidos à preços de julho de 2024 pelo IPCA, tem-se o montante de R$ 2,3 milhões, o que corresponde a uma participação de 20,31% no PIB e um custo de arrecadação de R$ 31.135,20.
Os custos de conformidade estimados para empresas e pessoas físicas no Brasil, é significativa. Em média, esses custos correspondem a 0,75% do PIB para empresas abertas, podendo chegar a 5,82% do PIB em empresas menores, com receita bruta anual de até R$ 100 milhões. Isso inclui despesas com sistemas de contabilidade, auditoria, pessoal especializado e tempo dedicado ao cumprimento das obrigações fiscais. O Brasil gasta mais do que outros países em atividades de arrecadação, e detém a maior carga de trabalho devido à complexidade das obrigações acessórias o que pode resultar em sonegação, mesmo que por desconhecimento destas obrigações.
O estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário acerca da sonegação fiscal das empresas brasileiras [1] apontou que o faturamento não declarado é em torno de R$ 2,16 trilhões por ano, sendo R$ 374 bilhões por ano de tributos sonegados. Os indícios de sonegação estão presentes em 47% das empresas de pequeno porte, seguido de 31% das empresas de médio porte e 16% das grandes empresas. Em valores, a sonegação de tributos federais é maior no setor industrial, seguido pelo comércio e pelas empresas de serviços financeiros e por atividade econômica. O ICMS é o imposto mais sonegado. O estudo ainda aponta que as obrigações acessórias eletrônicas, cruzamento de informações, retenção de tributos e fiscalização mais efetiva são os principais responsáveis pela emissão de autos de infração. Em 2023, em uma nova comparação entre países, sobretudo entre os latino-americanos, os novos sistemas de controle do Brasil detêm o menor índice de sonegação fiscal empresarial, já atingindo a média esperada em países desenvolvidos.
Spacca
O combate à evasão fiscal é essencial para fortalecer a arrecadação tributária. abordagem de follow the money and follow the product (siga o dinheiro e siga o produto) tem se mostrado como práticas eficazes para esse propósito. Estas práticas se baseiam no rastreamento detalhado de fluxos financeiros e cadeias de produtos, utilizando tecnologias avançadas e a integração de sistemas de informação entre órgãos reguladores. Quando bem implementadas, essas estratégias podem não apenas aumentar a arrecadação de tributos, mas também, promover maior transparência e justiça fiscal.
Ferramentas para otimização da conformidade
No contexto atual, em que as inovações tecnológicas se tornaram potenciais aliadas para a redução dos custos de conformidade, torna-se fundamental adotar modelos rastreamento eletrônico, estes que podem ser aprimorados com o uso das novas tecnologias a partir da criação de um fundo de recursos destinado ao seu desenvolvimento. Soluções como inteligência artificial e blockchain oferecem uma infraestrutura robusta, permitindo maior precisão, consolidação e controle dos dados e podem ser uma solução de combate à evasão fiscal. Essas ferramentas facilitam a compreensão dos fluxos informacionais, elevam a transparência e aprimoram a eficiência e eficácia dos processos, evitando a geração de autos de infração e assim contribuindo para a redução dos custos de conformidade.
São exemplos internacionais: os sistemas de faturamento eletrônico europeu (e-invoicing); o monitoramento em tempo real de transações comerciais para combater fraudes fiscais, especialmente no que diz respeito ao VAT gap; o Transaction Network Analysis (TNA) que ajuda a rastrear transações suspeitas e conecta dados financeiros entre países, promovendo a identificação eficiente de fraudes tributárias, também implementadas pela União Europeia; o programa inglês do Making Tax Digital (MTD) para arrecadação de tributos e envio de relatórios fiscais, aumentando a precisão e o controle sobre a conformidade fiscais; a iniciativa italiana do Split Payment System, que transfere o valor do imposto sobre valor agregado (IVA) diretamente ao governo, evitando que a empresa envolvida retenha o valor do imposto e o exemplo americano de Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca) que exige às instituições financeiras estrangeiras o reporte dos ativos mantidos por cidadãos americanos em outros países, auxiliando no combate à evasão de impostos sobre renda e investimentos no exterior e se fazendo o uso de big data para monitorar transações financeiras.
Nesta nova realidade virtual, além do treinamento e educação, a digitalização e automação são outras ferramentas fundamentais para otimizar a conformidade tributária, permitindo a integração de sistemas que automatizam a apuração e o pagamento de tributos com mais rapidez e precisão. Ferramentas como ERP (Enterprise Resource Planning) e soluções em nuvem de conformidade tributária oferecem cálculo e preenchimento automáticos de obrigações, facilitando o cumprimento fiscal. As plataformas como o eSocial e a Nota Fiscal Eletrônica (NFe) consolidam informações de folha de pagamento e obrigações acessórias trabalhistas em uma única interface, reduzindo os custos operacionais e promovendo uma conformidade fiscal simplificada. Assim como ocorre com a própria declaração do imposto de renda (DIRPF e IRPJ).
Por fim, no combate à evasão fiscal, o Brasil poderia adotar práticas de integração de dados fiscais e financeiros entre órgãos governamentais, como a Receita Federal e o Banco Central, além de utilizar tecnologias de monitoramento eletrônico em produtos sensíveis.
Um exemplo é o Sistema de Controle de Produção de Bebidas, conhecido como Sicobe pela Instrução Normativa RFB nº 869/2008 que corresponde a um sistema e-invoicing, que mediante a utilização de equipamentos e aparelhos para registro, permite a identificação do tipo de produto, embalagem e sua respectiva marca comercial, com códigos de segurança únicos, com tintas especialmente desenvolvida, não permitindo cópias tanto de códigos como da tinta, que funcionam como uma espécie de assinatura digital, possibilitando o rastreamento individual de cada bebida envasada no país à RFB, com dados sobre o fabricante, a marca comercial e a data de fabricação do produto.
A Casa da Moeda do Brasil (CMB) corresponde à entidade responsável pelos procedimentos de integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva de todos os equipamentos componentes do Sicobe nos estabelecimentos industriais envasadores das bebidas conforme o artigo 9º da Instrução Normativa RFB nº 869/2008.
Já RFB responde pela definição dos requisitos de funcionalidade, segurança e controle fiscal a serem observados pela CMB no desenvolvimento do Sicobe e pela supervisão e acompanhamento do processo de instalação do Sicobe junto aos estabelecimentos industriais envasadores conforme prevê o artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 869/2008.
A justificativa de implantação do Sicobe se pautou em uma medida capaz de facilitar a fiscalização tributária, rastrear a produção e identificar o tamanho das embalagens produzidas no país em um modelo follow the money and follow the product.
Esse monitoramento eletrônico poderia ser expandido para outros setores com alto risco de sonegação, como combustíveis e tabaco. Além disso, um sistema semelhante ao Fatca ajudaria a combater a evasão internacional de impostos, promovendo uma maior integração de dados com órgãos internacionais.
Todavia, o Sicobe teve sua obrigatoriedade suspensa a partir de 13 de dezembro de 2016, conforme estabelecido pelo Ato Declaratório Executivo (ADE) nº 75/2016, publicado no Diário Oficial da União em 18 de outubro de 2016. A partir de então, mediante a IN RFB nº 1652, de 21 de junho de 2016, foi estabelecida a obrigatoriedade do Bloco K do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) para as indústrias do segmento de bebidas. O Bloco K trata do livro de controle de estoque do estabelecimento, permitindo à Receita acompanhar a produção e o estoque das empresas. O registro no livro de controle é feito pelos próprios envasadores, contendo o material consumido na produção e suas quantidades conforme estabelecido pela Instrução Normativa RFB nº 1432. Nesse sentido, além da complexidade no preenchimento das informações requeridas pelo Bloco K, tais informações são sujeitas a vieses no preenchimento, possibilitando fraudes e evasões fiscais e reduzindo o controle efetivo.
Em agosto de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que a RFB e a CMB reativem o sistema, visando aumentar o controle sobre a produção e a arrecadação no setor de bebidas. A decisão do TCU está baseada na necessidade de uma fiscalização mais rigorosa no setor.
Contudo, a RFB manifestou oposição à retomada do Sicobe, onde argumenta que o sistema, mesmo antes de sua suspensão, apresentava limitações e altos custos de operação e porque não necessariamente seria a melhor solução para o controle fiscal na indústria de bebidas. A Receita Federal também defende que outras soluções tecnológicas mais avançadas e economicamente viáveis poderiam ser desenvolvidas para monitorar o setor, sem a necessidade de reativar o Sicobe nos moldes anteriores.
Enquanto o TCU enfatiza a importância do Sicobe para combater a evasão fiscal, a RFB sugere alternativas mais alinhadas às inovações tecnológicas que poderiam alcançar o mesmo objetivo com maior eficácia e menos custos.
Fato é que a tecnologia do Sicobe é a mesma que utilizada nos exemplos internacionais elencados anteriormente. Todavia, pode ser aprimorado com o uso de tecnologia blockchain permitindo a assinatura de todos os usuários e sem a possibilidade de alterações nos blocos, tornando-o ainda mais eficiente.
Trata-se de discutir um novo sistema de track and trace, permitindo que o governo monitore todo o ciclo de vida das bebidas desde a fabricação até o consumo final, assegurando o pagamento de tributos devidos em cada etapa da cadeia produtiva, evitando inclusive a falsificação e o contrabando. Ademais, os sistemas de rastreamento podem garantir que as bebidas comercializadas atendam os padrões sanitários e de qualidade, evitando inclusive a informalidade do setor. Assim, o consumidor tem mais confiança nos produtos, o que melhora a competitividade das empresas legais. A experiência internacional também aponta para esse caminho, como é o caso da União Europeia onde já se verifica o aumento de controle sobre o recolhimento do imposto sobre o consumo de bebidas alcoólicas (excise tax).
Ademais, trata-se de expandir este modelo de monitoramento para os demais setores, possibilitando maior controle e eficiência na arrecadação de tributos que reduzirá os custos de conformidade.
[1] INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E TRIBUTAÇÃO. Estudo – Sonegação Fiscal das Empresas Brasileiras. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/16qO-QEgeeJTblG_LVVy1TdwdgRuL_Lps/view>. Acesso em: 09 out. 2024.